Não aguento mais!

“Não aguento mais!”, gritam vozes que assinalam sinais de esgotamento emocional congregados num coro com estados de indiferença, apatia, sentimentos de fracasso, auto-desvalorização que criam as condições para uma sinfonia, a várias vozes, de exaustão física e mental, desinteresse e desligamento pessoal. O que torna este estado de incapacidade “não aguento mais” mais relevante? É a convicção ou a sensação de que não consegue lidar, não tem os meios ou capacidades para resolver ou ultrapassar este seu sentir, o que propicia um estado de desamparo.

São várias as situações da nossa vida que podem contribuir para este estado de “não aguentar mais”; quando tem que lidar com uma doença crónica difícil, um estrangulamento financeiro prolongado ou uma relação tóxica duradoura. Mas há um que nos interessa particularmente porque envolve uma parte significativa da nossa vida; falamos de um stress que tem origem especificamente no contexto de trabalho. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, declarou a existência de uma doença profissional originada por um conjunto de condições como é exercido o trabalho e que, até então, na maioria dos países era reconhecido apenas como stress profissional prolongado ou burnout.

Não aguento mais… e estar burnout… 

A primeira vez que este termo surgiu foi à volta de 1974 por Freudenberg referindo-se a um estado comum dos toxicodependentes que deixavam de se importar com eles próprios, negligenciando todos os aspetos da sua vida interessando-se unicamente por consumir. O único alívio, satisfação e motivação centra-se unicamente em consumir mais uma dose de droga o que leva à expressão “está completamente agarrado(a)”.

O que tem isto a ver com os efeitos stress profissional prolongado? As pessoas candidatas ou em risco de desenvolverem este estado podem começar por se desligar dos outros, a desinteressar-se de atividades ou assuntos que habitualmente as motivava ou a sentirem-se esgotadas e com dificuldade para dar resposta às situações profissionais, com falta de energia, com dificuldades crescentes em dormir, e frequentemente com alguns sintomas físicos como dores de cabeça ou de estômago. Muitas vezes têm ainda falta de ânimo e autoestima ou autoconfiança, que se podem confundir com a depressão ou alguns estados de ansiedade, fundamentalmente pela incapacidade que geram.

A continuação desta situação específica, porque é originada pelo trabalho, diferencia-se do stress normal originado pelo efeito de doenças, das perdas físicas, monetárias ou de saúde originadas pela pandemia, ou uma série de outras situações de conflito ou trabalho doméstico, em que a pessoa sente que não tem os recursos ou capacidade para lidar com a situação

“Todo(a) queimadinho(a).”

desenvolvimento e prolongamento do stress profissional, sem ações de reparação do stress, origina um estado de exaustão física ou emocional em que uma pessoa habitualmente dinâmica, interessada e cuidadosa começa a desligar, desinteressar-se de tudo e sem energia para nada. O modo característico de funcionar e agir, a própria identidade da pessoa parece que fica “queimada”. Há uma mudança acentuada entre “antes para um depois” na atitude, comportamento, rendimento ou desempenho profissional.

Apesar das manifestações do burnout variarem em intensidade há sempre uma combinação de fatores como exaustão física e emocional, alienação dos outros, sentimento de incompetência ou fracasso e sensação ou perceção de desamparo.

Será que a exaustão física e mental é só para os menos capazes, para os mais frágeis ou para quem sofre de saúde mental?

Muitos autores referem que muitas das pessoas que sofrem desta situação são os profissionais mais dinâmicos, dedicados, confiantes e empreendedores

 

De acordo com as informações que disponho, em Portugal um dos exemplos mais mediáticos que terá sofrido de burnout é o ex-presidente do LLyods e banqueiro António Horta Osório. Outro exemplo Arianna Huffington, a empresária estadunidense fundadora do Huffington Post, que depois de ter ultrapassado esta situação até escreveu “The Sleep Revolution“, um livro sobre a importância de dormir, que é, sem dúvida, uma das medidas preventivas e reparadoras para as situações de stress.

Portanto, não se trata de algo que caracterize ou denuncie os menos capazes. E, embora afecte a saúde, não significa necessariamente que seja acompanhado por problemas de saúde mental, mas antes uma tentativa menos bem-sucedida de resolução ou adaptação a uma situação, essa sim, pouco saudável.

Quais são os principais factores de risco?

Em muitos casos, o ambiente nas organizações ou no mundo do trabalho, dos negócios, é encarado muitas vezes como frio, hostil e com uma enorme exigência, fruto de uma necessidade crescente para dar resposta à produtividade, às necessidades de inovação. Estas situações conduzem a uma sobrecarga em termos de volume, resposta a prazos acompanhados, cada vez mais, por falta e/ou diminuição de recursos e estilo de liderança, o que fomenta o medo e promove a instabilidade e/ou a insatisfação com a remuneração. O sentimento de falta de autonomia, controlo, o conflito de valores, a falta de sentido do trabalho que se faz e o desajustamento da pessoa à função são alguns dos principais fatores de risco.

Algumas atividades, profissões ou ambientes de trabalho, contêm mais fatores de risco para o desenvolvimento de burnout, tais como a área do Ensino, as profissões na área da Saúde, cuidado ou apoio aos outros (missionários, sacerdotes, profissionais da saúde mental), e outras como advocacia. Contudo embora o burnout possa manifestar-se de forma diferente, e estas profissões terem um maior risco de stress de natureza emocional ou relacional, qualquer um pode estar sujeito ao burnout  se estiver perante vários dos riscos acima identificados, que provocam de forma evolutiva o “não aguento mais”.

Os fatores de risco são fundamentalmente de origem organizacional, existindo um conjunto de práticas e políticas que muitas organizações têm vindo a implementar e reforçar, nomeadamente no desenvolvimento dos seus líderes e adequação das suas ações de um ponto de vista ético e de responsabilidade social. Contudo também há fatores de natureza individual nomeadamente o perfeccionismo, uma dedicação desproporcionada (trabalho e outras áreas da vida) e a ausência de vida social (isolamento).

Como prevenir o burnout?

O stress pode não ser sempre negativo e pode ser gerido, regulado, prevenindo os efeitos do “mau stress”. Como? Aprendendo a desligar da rotina habitual, a rir, a dormir e a fazer sestas, a delegar, tal como refiro nos meus artigos: “Stress nas férias? Nem pensar!” e “7 estratégias para aprender a descansar”. Mais importante ainda, é aprender a liderar a sua própria vida.

Os sinais de burnout variam de pessoa para pessoa, sendo que existe uma evolução progressiva. A sua prevenção ou reparação dependem das causas que originam a situação, embora na prática existam muitas vezes um conjunto de causas.

Entre as medidas de prevenção mais identificadas ao nível da investigação encontra-se o autocuidado ao nível de uma alimentação equilibrada, o descanso noturno, o exercício, entre outros, nomeadamente para combater a exaustão; para combater o desligamento, o cinismo, algumas medidas contraintuitivas como o socializar, o cuidado com os outros, o voluntariado, o equilíbrio trabalho vida familiar e pessoal e a diversão; para ultrapassar os sentimentos de ineficácia e incompetência por vezes torna-se necessário um trabalho mais prolongado de autoconhecimento e autoconsciência para ganhar uma maior autoestima e segurança pessoal.

Muitas medidas passam por entidades governamentais, organizações, empresas etc.. Mas, se esperar e nada fizer por si, pela sua saúde e por aqueles que dependem ou gostam de si, nada acontecerá. E, atenção, que este “não aguentar mais” pode não o afetar diretamente, mas pode afectar alguém muito próximo de si. Já não se trata só de uma questão de bem-estar, de qualidade de vida. O que está em jogo é a sua saúde e, nalguns casos, a saúde daqueles que lhe estão próximos.

Se não eu, quem então? Se não agora, quando então?

E se só para mim, quem sou eu?

Se não sou eu que o faço, quem o fará por mim?

Rabino Hillel

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