Como gerir o stress no dia-a-dia?

O stress acompanha a sua vida, é lhe familiar. No seu dia-a-dia, a tensão frequente que experimenta é companheira da impaciência e da irritabilidade que se expressam, em menor ou maior grau, na sua reação aos imprevistos, contrariedades ou conflitos. 

O seu humor altera-se à mínima oportunidade em que os planos não correm como previa, quando tem que tomar uma decisão simples ou no meio do trânsito quando alguém se atravessa inesperadamente no seu caminho, e reage de forma intensa a algo ou alguém que racionalmente reconhece não haver razão para tamanha explosão emocional. Tudo isto acontece gradualmente até que chega um momento em que percebe com atrapalhação que tem pouca ou nenhuma capacidade de lidar com os acontecimentos corriqueiros da sua vida e tudo parece ser demais para si.

Todas estas reações podem ser originadas por fatores físicos, psicológicos ou ambientais geradores de stress, mas estas não esgotam as reações ao stress. Nalguns casos, em vez da irritabilidade ou instabilidade emocional, desliga-se de tudo e todos. Mergulha num isolamento ou afastamento, contrários à sua própria natureza e personalidade, numa tentativa para conseguir restabelecer a ordem interna, um sentido de equilíbrio e bem-estar para fazer face à pressão contínua, agitação, fadiga ou mal-estar físico e psicológico.

Como gerir o stress no dia-a-dia com a abordagem polivagal?

Mas, afinal, o que é o stress? Quais são algumas das suas reações? Quais as estratégias de gestão do stress que estão mais em sintonia com o equilíbrio do nosso sistema nervoso de acordo com a abordagem polivagal? Esta teoria que explica as reações ao stress, com base no funcionamento do sistema nervoso, num continuum de reações que visam reduzir ou resolver as pistas de perigo ou insegurança para restabelecer uma segurança interna, que melhora a saúde física e mental, a ligação e relação com os outros, promove a abertura à mudança e a facilidade de adaptação a novas situações.

“O stress é causado

por estar aqui

mas querer estar “ali”.”

Eckhart Tolle

O que significa stress?

O stress resulta da perceção de incapacidade para lidar com as exigências das situações determinadas por factores interiores (alterações físicas ou fisiológicas) ou exteriores à pessoa (por exemplo: prazos, volume de trabalho, conflitos, condições ambientais, etc.). A pessoa sente que não tem a capacidade ou os meios para lidar com os acontecimentos.

Bom stress (eustrees) vs Mau stress (distress)

Esta pressão pode impelir a agir e melhorar a sua actuação ou desempenho (bom stress ou eutress) e a encontrar novas formas de lidar com as situações, como, por exemplo:

  • melhorar a sua gestão do tempo;
  • aumentar a capacidade de dizer não;
  • ser mais frontal na forma como comunica;
  • despistar alguma questão de origem  física;
  • melhorar as suas condições de vida, trabalho e/ou ambientais. 

Se, pelo contrário, concorre para uma baixa do rendimento intelectual, bem-estar emocional ou físico estamos perante uma situação de mau stress (distress). Alguns estudos demonstram claramente que níveis de stress prolongados e elevados estão associados a uma má saúde física e mental e aumentam o risco de morte prematura

“Fazer algo que seja produtivo

é uma ótima forma

de aliviar o stress emocional”

Ziggy Marley

Algumas reações ao stress

Hayles, por volta de 1930, referiu que havia dois tipos de respostas ao stress: o lutar e o fugir (fight and fligh). Estas são formas de resolver as situações enfrentando-as ou evitando-as (ignorando) como forma de resolução ou adaptação. Posteriormente, os investigadores acrescentaram-se uma terceira resposta que se expressa na incapacidade de reagir resultante de vários processos que conduzem à imobilização, ao bloqueio da ação (freeze).

Em situações de stress extremo – em que a pessoa sente a sua vida (física ou psicológica) em perigo iminente e sente-se incapaz de reagir – os especialistas em trauma identificaram recentemente outras reações, como, por exemplo: necessidade imensa de agradar ou ligar-se a outras pessoas, ou, então, a resposta extrema que é a de colapsar ou conformar-se, sem energia vital para agir ou reagir.

E, o que têm em comum todas estas reacções ao stress?

São mecanismos básicos de adaptação e sobrevivência que, no contexto da sua vida, podem conduzir a uma maior integração, equilíbrio, bem-estar ou realização ou, pelo contrário, a um enorme desgaste, cansaço, frustração, irritabilidade ou desligamento, desinteresse do que o(a) rodeia e outros sintomas físicos, como insónia, hipertensão, dores de cabeça, irregularidades no ciclo menstrual, problemas sexuais, de fertilidade, entre outros.

“O corpo reorganiza-se quando se sentir seguro.

Stephen Porges

3 Formas de regulação do Sistema Nervoso Autónomo perante o perigo:

É importante perceber, resumidamente, como o seu corpo, em particular o seu cérebro – Sistema Nervoso Autónomo (SNA) – funciona para regular a sua reação ao stress, aumentar a sua resiliência e conexão com os outros. Para o autor da abordagem polivagal, o psiquiatra Stephen Porges, e uma das pessoas que mais divulgou e aplicou esta abordagem, a psicoterapeuta Deb Dana, para se entender as estratégias é importante conhecer as três formas de proteção do SNA.

Existem três formas de proteção do SNA perante a deteção de perigo (stress) que simplifico com alguns exemplos que não refletem todas as reações individuais a cada um destes estados:

1. Proteção através da imobilização ou do sistema dorsal: privilegia estratégias de imobilização e isolamento para se proteger. Se é uma pessoa inativa, com pouco interesse pelo que a rodeia ou que dorme muito é provável que passe muito tempo da sua vida no estado dorsal;

2. Mobilização como forma de proteção ou defesa regida pelo sistema nervoso simpático (perante o perigo reage através “luta” ou de “fuga”). Se é uma pessoa dinâmica que está sempre ocupada a fazer algo, que não consegue estar parada ou calada, provavelmente a maior parte da sua vida encontra-se neste modo de sobrevivência É, portanto, uma pessoa para quem é difícil relaxar ou ter disponibilidade para estar com os outros;

3. Segurança ou conexão que é regido pelo vagal social, ou seja, vive num modo de segurança que lhe permite estar frequentemente ligado/a, disponível e em relação com os outros. Se ocupa a sua vida com diversas formas de ligação com os outros ou com a natureza e se encontra num estado de fluxo, calma, conexão, criatividade, apesar de poder estar num modo mais desejável, precisa de “experimentar” os três modos para que esteja em equilíbrio físico e psicológico.

O equilíbrio dá-se através da navegação flexível e equilibrada nos três estados: dorsal, simpático e vagal social, e não o estar permanentemente num só estado.

“Há mais sabedoria no seu corpo

do que na mais profunda filosofia.”

Nietzsche

Quais são as melhores estratégias para regulação do stress de acordo com a abordagem do SNA?

1. Identifique qual o modo em que passa mais tempo

Em primeiro lugar, precisa de identificar e caracterizar em que modo passa mais tempo de forma a poder criar momentos em que se sinta em maior segurança, calmo(a) e em relação.

  • Passa mais tempo num modo de isolamento ou ausência que caracteriza um modo dorsal em que se sente frequentemente ausente, desesperado(a), exausto(a), atordoado(a), desamparado(a), vazio(a), isolado/a)?
  • O seu dia é mais caracterizado por um modo de sobrevivência regulado pelo sistema simpático que pode ir de um estado de maior ou menor frenesim ou movimento, rapidez até a um estado de maior ou menor preocupação, ansiedade, preocupação?
  • Encontra-se muitas vezes em relação e ligação com o mundo e com os outros? Sente, assim, mais relaxado(a), calmo(a) confiante, livre, grato(a), curioso(a), compassivo(a)?

2. Identifique o que o(a) coloca em modo de protecção/defesa

  • Que tipo de acontecimentos, situações, pessoas o(a) colocam num modo de proteção/defesa (o que implica o funcionamento do sistema dorsal e o do simpático)? 
  • Que acontecimentos lhe provocam stress: exigências constantes com as quais não consegue lidar (prazos, volume de trabalho, diversidade de tarefas), sentir-se ignorado(a), sem poder, ouvir as notícias dos telejornais, ouvir ou ler mensagens (posts) do Facebook, Instagram, Whatsapp ou outras redes sociais, discussões familiares, contas que não consegue pagar ou imprevistas, colegas barulhentos ou conflituosos?

3. Identifique quais as estratégias que utiliza para deixar de estar num estado de bloqueio ou imobilidade

  • Que ações ou micro acontecimentos fazem com que consiga passar de um estado de maior imobilidade/bloqueio para uma maior sintonia interna e com os outros?

Se se encontra num estado mais dorsal, as seguintes estratégias de natureza mais mental ou emocional podem ajudar. Por exemplo: rezar, meditar, chorar, relembrar momentos felizes, pensar em alguém de quem gosta, aceitar um abraço, falar com alguém, estar num local com pouco movimento. Estas podem ser pequenas ações que ajudam a passar de um estado de maior bloqueio/imobilidade para a ação. Algumas estratégias físicas para sair deste estado podem incluir algo tão simples como uma bebida quente, um banho, uma massagem, ou até mesmo dormir.

4. Identifique que estratégias utiliza para lidar com acontecimentos que lhe provocam agitação, ansiedade, irritação

Algumas pessoas quando estão enervadas resolvem fazer limpezas, organizar armários ou deitar coisas fora. Outras resolvem fazer exercício físico, dançar, cantar, ouvir música alta, desabafar com alguém ou escrever. 

  • Que formas utiliza quando se encontra neste estado e o que o(a) ajuda a descontrair e a ficar mais calmo(a)?

5. Identifique que pessoas, acontecimentos, situações o fazem sentir em segurança e com vontade de se relacionar

Da mesma forma que podem ser pequenas coisas que provocam bloqueio ou agitação também há micro acontecimentos que ajudam a que se sinta bem. Pode ser algo tão simples como um sorriso de alguém, sentir o sol na cara, ouvir um programa com quem gosta, conduzir até à praia, brincar com crianças ou com animais domésticos, respirar intencionalmente e de forma consciente, apreciar a natureza, concentrar-se a apreciar uma música, uma paisagem ou em realizar algo com total compenetração ou de tal forma que se sinta profundamente ligado a algo ou a alguém, que é característico de diversas formas de espiritualidade ou de religação (religião).

Para o ser humano a regulação através do vagal social é o que nos permite sentir uma segurança partilhada com os outros. Isto explica a satisfação e o bem-estar que se obtêm quando se está com os amigos, amigas, pessoas íntimas ou pares com quem se tem afinidade e segurança. Este facto, que se traduz na capacidade de co-regulação, explica-nos de forma clara que o relacionamento com os outros trata-se de um imperativo biológico e já não é apenas uma necessidade social que afeta a nossa saúde

Para os seus humanos, a relação social trata-se de um imperativo social fundamental para a saúde física. 

Contudo, o equilíbrio físico, mental e emocional requer flexibilidade de forma a poder parar quando é necessário, agir no momento certo e relacionar-se em segurança. Sem saber, tem um radar em que o seu corpo deteta perigo sem que tenha consciência do mesmo (neuroceção). Por isso, é importante encontrar uma forma em que traga para a consciência o que lhe provoca entrar em cada um dos estados e o que leva a sair de lá gradualmente.

“Existe dentro de si

uma capacidade natural de auto cura

que é a sua maior força

para que fique bem.”

Hipócrates

“O que me pode ajudar a lidar efetivamente com o stress?”

É natural que esta seja a questão que está a pairar na sua mente. E, com muita pena minha, não há nenhuma receita universal. Existem práticas utilizadas que mencionei anteriormente. Mas, as estratégias mais adequadas para si implicam necessariamente ganhar consciência em que estado se encontra nos diversos momentos ao longo do dia/semana/mês e aprender a definir quais são os gatilhos que provocam uma maior ou menor agitação, e como pode sair de lá. Desta forma, mesmo que o stress possa ser um facto da vida, deixará de ser, seguramente, um modo de vida.

“Ouça o vento, ele fala.

Ouça o silêncio, ele diz.

Escute o teu coração, ele sabe.”

Provérbio nativo americano

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